Porque não há mais música na TV portuguesa?
Strobe
Tirando talent shows como The Voice ou Ídolos, o cenário é bastante desolador.
Quando assisto a um formato televisivo relacionado com este tema, tenho a sensação de que a música acaba por ter um papel secundário – ou pior – quando comparado com outros factores que são essenciais para as estações de televisão como audiências, captação de espetadores e entretenimento puro e duro. É ligeiramente perverso reparar que uma arte é manipulada para efeitos económicos, mas se calhar também é um factor inegável nos dias que correm. Tempo é dinheiro e dinheiro é essencial, seja em que área for. Comecei a pensar neste tema quando assisti à seguinte situação que passou no programa Ídolos da SIC.
LUÍS TRAVASSOS - CASTING 03 - IDOLOS > youtu.be/jTWd5roK570
À parte do talento do rapaz ou falta dele, a grande questão que este vídeo coloca é: que tipo de programas musicais temos à nossa disposição nos quais a música tem realmente um valor acrescentado para o espetador? Muito poucos.
A música como karaoke das noites de sábado e domingo
Olhando para o programa com uma perspetiva crítica, apercebo-me que o sonho americano está bastante longe da realidade. Grande parte do que ouvimos hoje em dia é “fabricado” com fórmulas de sucesso – estudadas e comprovadas – que o ouvinte não compreende à primeira, mas sente como uma droga. As músicas pop são o melhor exemplo disso, sempre foram. Vender é uma palavra chave e é o que os jurados procuram no Ídolos: alguém que seja talentoso no uso da sua voz, associado a uma cara apelativa com o principal intuito de comercializar.
Mas será que vende mesmo? Que os sonhos de um concorrente se concretizam?
Na primeira edição, o vencedor foi Nuno Norte. Lançou um álbum a solo sem sucesso, juntou-se aos Filarmónica Gil como vocalista e criou a Banda Sal. Uma carreira pós-Ídolos que deixou muito a desejar. Em 2004, quem ganhou o prémio foi Sérgio Lucas. Com uma carreira longa na música, lançou dois álbuns, fez várias peças de teatro e musicais e ainda hoje estou à procura dos trabalhos dele numa qualquer prateleira da Fnac. Tal como Nuno Norte, participou no Festival da Canção (mais um concurso que não tem ponta por onde se pegue). Na terceira edição, a competição esteve renhida entre Filipe Pinto e Diana Piedade. Os dois artistas chegaram à final com o apoio do público e foi o jovem que levou a taça. Ganhou em 2009, lançou um álbum em 2012, ou seja, demorou três, quatro anos a lançar um trabalho, perdendo todo o buzz ganho durante o programa. Acabou por ter algum sucesso com o lançamento de um videoclipe e da cover dos Ornatos Violeta que fez durante o programa. Hoje em dia, não sei onde vai tocar nem quando. Chegámos à quarta edição. Ganhou a Sandra Pereira. Quem? Pois…
Em 2012, foi Diogo Piçarra o vencedor e finalmente viu-se uma ligeira mudança. Dedicado à sua arte, lançou este ano o primeiro trabalho Espelho com bastante sucesso, fruto da qualidade das suas músicas, da dedicação do público e de bom marketing (essencial nos dias que correm). No mundo dos programas televisivos de karaoke, o jovem foi um dos poucos a ser capaz de se afirmar como uma estrela pop em Portugal, sem cair nas tendências simples ou registos banais. Ao contrário de todos os outros vencedores antes dele, Diogo parece ter uma noção do que quer fazer da sua carreira e de que modo pode alcançar os seus objetivos, fugindo ao conceito de ídolo pop que tanto procuram no Ídolos. É justo dizer que o rapaz não é o único caso de sucesso, já que Luísa Sobral e Carolina Deslandes têm tido bastante sucesso ao longo dos anos (mais, mais um vez, fugindo à imagem e sonoridade com que se tenta molda o próximo ídolo nacional). São artistas que usaram os 15 minutos de fama para chegarem a outros voos e foram capazes de encontrar a sua própria voz, afirmando-se em nome próprio, com o público a apreciar o que fazem. Não sei se hoje são ídolos per si como desejavam ser quando participaram no programa. Acredito que são mais que isso, são reais. O público apercebe-se dessa diferença.
O mesmo se passa com outros programas semelhantes, como a Operação Triunfo, de onde saíram talentos como Isaura e Filipe Gonçalves, que só agora estão a dar os primeiros passos em carreiras inteiramente baseadas nas suas ideias e conceitos.
Então que conclusão se retira?
Nos últimos anos, a música na televisão resume-se a isto. A talent shows fúteis que acabam por empurrar ainda mais para baixo o estado desta arte, que já anda cansada de falta de exposição televisiva e não é por falta de talento.
Neste momento, estamos num dos melhores períodos criativos da música nacional de que me recordo.Várias bandas e artistas põem trabalhos cá fora com enorme valor, conquistam públicos, vão a festivais de verão. Nomes como HMB, Peixe:Avião, Orelha Negra, Batida, Salto, Capicua, Diabo na Cruz, D’Alva, Best Youth, Márcia, Frankie Chavez, entre tantos outros. Mas volto a colocar uma pergunta: onde está o espaço deles na televisão? Não está. Podemos dar graças a Deus pela rádio e pela internet porque, se não fossem por esses dois veículos de comunicação, não saberíamos de muitos talentos portugueses nem eles iam ser capazes de se expor ao grande público.
O que temos para ver?
Então e o que ficou para trás?
Se calhar está na altura de exigirmos mais do que vemos e ouvimos. Também merecemos ter um Jools Holland, não?